Friday, June 27, 2008

confissões na cadeira do dentista


Lá estava eu deitado, olhando para o teto e com a boca arreganhada. No canto dos lábios um sugador para evitar que eu babasse e o corpo tenso com a broca que perfurava meu pequeno molar inferior esquerdo. Evitava fazer caretas, pois a chance de ser picado por uma nova anestesia era imensa.


Chego a preferir a dor.



Para um alívio momentâneo, o telefone tocou. E então, após pedir licença, eu ouço:
- Ah, a minha vida mudou tanto.
Entre pedidos de desculpas pela rápida ausência, ele foi aos poucos contando sua desilusão. Senti-me sentado indevidamente num divã, pois quem estava falando era ele, mas quem estava deitada era eu.
Fiquei ouvindo-o falar enquanto a broca insistia no meu dente e então sua vida se resumiu na restauração do meu dente. Contou-me que montou uma clínica super bacana, tinha mais seis profissionais e parecia estar feliz da vida. Aí veio a separação e na divisão dos bens, a sabidona [também dentista] ficou com a clínica. Sorte a dela e azar o dele [pela minha rápida análise] que ficou na mão. Depois divagou que o ganho nisso tudo foi a liberdade. Ou seja, o casório era uma prisão? O duro é agora ser mandado [profissionalmente]. Eu respondi que sei como é isso, mas sei nada, pois passei a vida sendo mandada e nunca mandei em ninguém até hoje.
No final da restauração eu soube rapidamente da sua vida e senti uma tristeza pelo que ficou para trás. Ainda polianamente eu disse:


- Sempre é tempo de reconstruir!


De onde eu tirei isso? E que frase foi essa que eu soltei ao meu dentista? Vi que não levo o menor jeito para psicologia, porque nem eu acredito nas coisas que eu falo.


...

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