Saturday, October 14, 2006
La Clemenza di Torquemada
Hoje completa-se 257 anos da composição de uma das maiores óperas de todos os tempos, La Clemenza di Torquemada, composta por Bach, Vivaldi e Monteverdi, com libretto de Da Ponte, Metastasio e Busenello. Chega a ser revoltante o fato de uma ópera de tamanha qualidade não tenha tido até hoje o reconhecimento necessário do público. Me parece claro que um dos motivos são as questões de autenticidade, sempre rondando esta obra, mas diante de tal música a autenticidade é quase irrelevante. A história da composição desta obra é extremamente confusa e tem seu começo em 1643: Após o sucesso absoluto de L'incoronazione di Poppea a dupla Monteverdi e Busanello não se contentou com a glória imortal já adiquirida, eles queriam mais, explorar até o máximo todas as potencialidades desse gênero recém-formado, a ópera. Com efeito, já não bastava a Poppea ser a primeira ópera com enredo histórico, tampouco o fato de se cantar os amores do casal imoral Nero e Popéia, ambos queriam ir além, e, em uma carta a Busenello, mesmo antes de terminar a Poppea, Monteverdi nos revela seus planos para o futuro:"Estava pensando em compor uma ópera contemporânea (...) como você tem ouvido, em um lugar de Castela há não muito tempo, havia um padre cuja fama não era das melhores, dizem, era um inquisidor (aqui a carta tem uma lacuna), pois eu desejo compor a história desse homem" Parece que simultaneamente ao trabalho com a Poppea, no máximo de sua criatividade, Monteverdi iniciou o trabalho com esta ópera, ainda não nomeada, a partir de um diálogo entre Isabela e Torquemada, que haveria de ser o ponto máximo de toda a obra. Infelizmente, a morte o impediu de continuar seu trabalho, porém, a música foi publicado no duvidoso Nono livro de Madrigais, mas nunca foi levada à sério por considerarem-na apócrifa. Esse pedaço de música foi guardado em Roma, como um presente para o Sumo Pontífice, e permaneceu por alguns anos na biblioteca do Vaticano. Quase cem anos mais tarde, quando as crises de insônia do regente espanhol haviam se agravado, e não mais a bella voce de Carlo Broschi conseguia o efeito de outrora, foi chamado à corte de Madrid ninguém menos que o maior libretista da época, e talvez de todos os tempos, Metastasio. Segundo as próprias palavras do rei, era necessário fazer algo de novo, algo de maior, Segovides musae, paulo maioria canamus, comentava pelos corredores do Palacio Real. Pois era preciso escrever algo para mostrar a glória do povo espanhol, era preciso algo que mostrasse ao mesmo tempo, como sua cultura devia não apenas aos cristãos, como também aos judeus e mouros. Era preciso criar o equivalente musical de Cervantes, era a grande discussão na Madri do momento. Metastasio teve livre acesso aos documentos secretos, teve também poder de decidir quem seria o seu Cervantes musical, que acabou sendo algué não falava espanhol e nem vinha da gloriosa Castela: o veneziano Vivaldi - considerado o grande operista do momento, depois que Handel abandonou a composição de óperas. Metastasio compôs uma trama formidável, mas graças ao espanhol um tanto castiço do romano, foi preferida a versão italiana de Isabela, reina di[sic] Castela, ou seja, Elisabetta, regina di Castela. Alheio a tudo isto, Vivaldi compôs uma de suas melhores óperas: poucas pessoas sabem, mas o primeiro movimento do Verão das Quatro Estações, foi reaproveitado do prelúdio orquestral da cena do auto de fé e o concerto para flauta La Notte é praticamente uma paráfrase de uma das árias de Cristóvão Colombo. Porém, Vivaldi teve de voltar a Veneza para resolver uma questão com o teatro local, e deixou a partitura interrompida na metade do segundo ato. O rei espanhol, irritado com esta atitude de desprezo, resolveu dispensar os músicos e Metastasio, deu este projeto por encerrado e voltou a ouvir Farinelli. Vivaldi, porém, teve o zelo de guardar os originais, "papel é caro e isso pode servir para mais coisas no futuro, como embrulhar carne", anotou em uma de suas cartas. Anos mais tarde, quando expulso de Veneza, Vivaldi resolveu atender uma encomenda de uma ópera em Dresden, mas aquela parada em Viena seria a última de sua vida. Parece que Vivaldi estava com a intenção de fazer executar "Elisabetta, regina di Castela" em Dresden, pois só isso explica como que, em 1745 essa partitura, completa, foi aparecer em Leipzig nas mãos do Kapellmeister do lugar, após um leilão de papel usado. Segundo se diz, ele não conseguia acreditar que tinha um original do grande compositor Veneziano em mãos, e tomou aquelas partituras como troféu levando-as para casa. Bach, que não tinha as pretensões nacionalistas do rei espanhol concluiu a obra e modificou-a bastante em seu conteúdo. O que ele fez foi sistematicamente reconstruir toda a obra, a começar pelo libretto, com a ajuda de Orlando da Ponte, que seria pai de Lorenzo, dando destaque impressionante à figura de Torquemada e reduzindo a parte dedicada aos reis. Além disso, Lorenzo trouxe do Vaticano a antiga partitura de Monteverdi, que havia sido vendida a sua família, depois que o Sumo Pontífice vendeu algumas de suas relíquias para pagar o arquiteto e escultor Bernini. Bach adicionou o diálogo entre Elisabetta e Torquemada composto por Monteverdi e, além disso modificou totalmente as partes previamente compostas: a quantidade de comentários e referências orquestrais adicionadas na ópera, dando uma unidade impressionante, fazem-me dizer que Bach foi o grande mestre da ópera de todos os tempos. Se em Vivaldi a ópera corre no esquema recitativo-ária simples, Bach anarquiza esta ordem, colocando recitativos acompanhados, lindas passagens solísticas dos instrumentistas, belíssimas passagens orquestrais, até colocando um "dueto canônico cancrizans", baseado na Oferenda Musical. O que mais impressionou os estudiosos é que o libretto tem uma importância completamente secundária nesta obra, ele apenas é o motivo da existência da ópera, nada mais. A música que Bach faz com que todo o resto seja apenas o resto. Muito já foi dito sobre esta ópera, mas deixo, mais uma vez, a entrada que Wagner colocou em seu diário logo após travar contato com esta ópera: "Esta é a ópera mais bela que já vi em minha vida. Tenho que destruí-la, publicando-a estarei eclipsando minha música; e isto é inadmissível" Sobre a história do renascimento desta ópera, a história é simples Seus manuscritos circulavam em Berlim com a mesma frequência dos da Paixão de São Mateus, mas Mendelssohn não a quis montar por ver no drama de um executor de judeus querendo sua redenção uma afronta a sua raça. Mendelssohn não vira a extrema dignidade com que seu povo foi tratado, dignidade que não estava no libretto horrível de Mestatasio, mas estava marcada em uma das passagens mais belas da ópera, que é o Sábado, uma longa página descritiva da religiosidade judaica, começa citando uma melodia do Kol Nidre e vai se modificando em uma série de variações que anuncia as Goldberg. Desde então os manuscritos sumiram. Conta-se que um excêntrico milionário as comprou e guardou para a posterioridade, pois uma ópera sobre judeus não conseguiria a menor empatia na Alemanha do final do século XIX. Os descendentes desse milionário guardaram a relíquia, mas, antes da guerra, fugiram para os EUA e deixaram as partituras na Alemanha, onde foram guardadas como relíquias na casa de ópera de Königsberg. As forças soviéticas de ocupação conseguiram os originais e a levaram para o Hermitage de São Petersburgo, e apenas em 1995 que o mundo pode saber que aquelas estranhas entradas nos diários de Wagner não haviam sido causadas pelo seu recente tratamento com alucinógenos Outra hora comento sobre a outra grande obra-prima de Bach e completada por Bomtempo, escrita na nebulosa passagem do mestre alemão por Portugal: "O Anel do Gnomo", uma trilogia com um prólogo: "Ouro do Tejo", "As Tágides", "D. Sebastião" e "Crepúsculo dos Avis".
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